Considerações sobre o Processo Eletrônico

Desenvolvendo estudos sobre a modalidade de comunicação processual à distância apresentamos alguns questionamentos sobre a aplicação da Lei do Processo Judicial Informatizado.

Sem a pretensão de elaborar um trabalho acadêmico compartilhamos com a comunidade jurídica algumas observações, sugerindo-se a continuidade e aprofundamento do estudo da matéria.

Considerações iniciais
A Lei 11.419/06 veio complementar o ciclo de atualização legislativa no que se refere à adoção de ferramentas tecnológicas no âmbito do Poder Judiciário, concedendo uma base legal ao processo judicial totalmente informatizado.

A incorporação de sistemas de gestão informatizados inaugura um novo canal de comunicação com a sociedade, passando a oferecer serviços e utilidades que auxiliam o acesso à informação, capazes de aperfeiçoar processos de gestão, ampliar o acesso à informação, conceder celeridade e redução de custos.

Sem dúvida a introdução de novas facilidades no acesso à justiça resulta na eficiência da prestação jurisdicional, sendo certo que a substituição do suporte físico do papel pelo armazenamento eletrônico rompe paradigmas e propicia o desenho do judiciário em tempo real.

O sistema eletrônico de tramitação processual agiliza a prestação jurisdicional?
O sistema eletrônico propicia significativa redução de procedimentos burocráticos, pois a automação de rotinas processuais elimina o tempo ocioso da tramitação judicial.

Suprime-se a carga dos autos, a necessidade de certificação da juntada de petições e conclusão ao Juiz do feito, a citação e intimação por oficial de justiça. E possibilita o acesso remoto aos autos, de qualquer localidade e a qualquer hora do dia ou da noite, sem necessidade de deslocamento físico até a sede do órgão judiciário.

Estudo elaborado pelo setor de estatística do TRF4 sobre o tempo médio de tramitação dos processos entre as datas da distribuição e da sentença demonstra que enquanto a Justiça Comum despende 719,87 dias, nos Juizados exclusivamente virtuais o trâmite perdura por apenas 47,67 dias.

Tem-se, portanto, como eficaz a incorporação de recursos tecnológicos para se alcançar celeridade na prestação jurisdicional.

O elevado índice de exclusão digital no País pode ser considerado um empecilho para a disseminação do processo eletrônico?
Em que pese à realidade da exclusão digital vigente, a Lei 11.419 previu a obrigatoriedade dos Tribunais em manter equipamentos de digitalização e acesso à internet à disposição dos interessados (art. 10, § 3º).

Dessa forma, o Poder Judiciário torna-se o único responsável pela disponibilização dos instrumentos necessários a inclusão dos atores sociais envolvidos no procedimento judicial eletrônico.

Porém, para que ocorra a expansão da acessibilidade é indispensável que o Poder Executivo aporte recursos para estruturação tecnológica da defensoria pública, cabendo ao Ministério Público promover sua estruturação interna.

Adjetivamente, caberá a Ordem dos Advogados do Brasil promover a inclusão digital da classe, disponibilizando equipamentos aos inscritos em seus quadros e capacitando os advogados para operar o processo eletrônico.

Consideramos que a exclusão digital apontada não representa um óbice para a disseminação e sedimentação do procedimento eletrônico. Ao contrário, o Poder Judiciário se transforma em um importante protagonista da inclusão digital da sociedade brasileira.

Deve ser adotado pela integralidade da organização judiciária do País um sistema único nacional?
A Lei 11.419 instituiu o critério de adesão voluntária aos órgãos do Poder Judiciário que desejem desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos digitais, utilizando preferencialmente a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e externas (art. 8º).

O Conselho Nacional de Justiça adotou o sistema de tramitação de processos judiciais – PROJUDI -, desenvolvido em software livre. O CNJ disponibiliza aos Tribunais que aderiram ao seu sistema, sem qualquer custo, computadores, equipamentos digitalizadores, o software e também treinamento de pessoal.

Em razão do modelo da organização judiciária em nosso país e a diversidade de plataformas existentes, a aceitação de sistemas distintos por cada ramo do Judiciário poderia acarretar inúmeros problemas adicionais, obrigando os usuários a absorver conhecimento específico das funcionalidades de cada sistema.

Mais importante que a adoção de um sistema nacional ou misto, o aspecto vital se relaciona com a compatibilização do inter-relacionamento dos sistemas existentes, a fim de que os autos possam se processar de forma digital até última instância.

Devem ser adotados diferentes sistemas, incluindo-se aqueles já utilizados pela Justiça Federal e Trabalhista?
Apesar da Lei não estabelecer expressa exigência quanto à padronização dos sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário, sugere que seja esta seja priorizada (art.14), dispondo textualmente que os sistemas tecnológicos adotados sejam capazes de identificar os casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada (art. 14, parágrafo único).

O Encontro dos Operadores da Justiça Virtual realizado em 2006, concluiu pela importância e necessidade da criação de um sistema nacional do processo digital, calcado na experiência acumulada dos sistemas até então utilizados.

Concebe-se, então, que permaneçam em funcionamento distintos sistemas já em funcionamento adotados, por exemplo, pela Justiça Federal e Trabalhista.

Em relação à Justiça Estadual pode padecer de coerência a utilização de sistemas múltiplos. Desde que demonstrada a eficiência e longevidade do sistema Projudi, pode-se priorizar a aplicação única desse sistema.

A ausência de padronização de sistemas e compatibilidade de plataformas compromete a aplicação e conseqüente eficácia da Lei?
A Lei cuida da possibilidade da ocorrência de sistemas incompatíveis (art. 12, §§ 2º e 4º), que possam impedir a remessa dos autos por meio digital a outro juízo e instância superior. Em tais casos, devem os autos ser impressos em papel e autuados na forma estabelecida pelo Código de Processo Civil (arts. 166 a 168).

Mas a ausência de padronização de sistemas não tem o condão de interferir na efetiva implantação do processo eletrônico.

Porém, eventual incompatibilidade de plataformas viria a comprometer – de forma irremediável – o espírito da lei, tornando-a praticamente inócua do ponto de vista da agilização de procedimentos.

Cumpre priorizar-se a perfeita interoperabilidade dos sistemas, de forma a se estabelecer protocolos de comunicação compatíveis que viabilizem e permitaa o trâmite por meio eletrônico até instância final.

Os sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais devem ser implantados imediatamente?
Em vista da mudança de paradigma trazida pela incorporação de recursos tecnológicos na integralidade do processamento digital, sugere-se a implantação paulatina.

É necessário transcorrer um lapso de tempo para absorção da plataforma eletrônica e para eventual correção de procedimentos, de forma a promover a melhoria constante do sistema e assegurar a eficiência da ferramenta antes da implantação definitiva e generalizada.

Ressalte-se, ainda, que sistemas informatizados não operam por conta própria. É indispensável promover-se um sólido treinamento de capacitação de juízes, serventuários e advogados para operar o sistema.

Apesar da Lei do Processo Judicial Informatizado ter entrado em vigor em março de 2007, constata-se que a grande maioria dos advogados não se preparou para o processamento dos autos por meio digital, verificando-se um percentual ínfimo de adesão à certificação digital.

Deve ser estabelecido um prazo mínimo para convívio simultâneo do processamento analógico e digital?
O CNJ tem sistematicamente adotado o método de implantação experimental, estabelecendo um prazo para o pleno funcionamento do processo eletrônico.

Porém, a implantação definitiva do processo judicial informatizado prescinde do completo aparelhamento dos Tribunais, o que vem sendo realizado.

O Projeto “Justiça na Era Virtual” protagonizado pelo Superior Tribunal de Justiça impulsionou os Tribunais a promover a digitalização de seus autos para remessa eletrônica ao STJ, independentemente da adoção interna do processo eletrônico.

Portanto, até que se concretize o processo de implantação de sistemas informatizados, ainda será necessário o convívio simultâneo do processamento analógico e digital, sendo certo não admitir-se procedimento misto.

Convém a criação de vara piloto para teste e correção do sistema antes da implantação integral?
Os Tribunais invariavelmente iniciam a implantação nos Juizados Especiais, a exemplo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que opera no Juizado Especial Cível de Relação de Consumo de Telefonia, bem como o Tribunal de Justiça do Amazonas que implantou o sistema em Varas Cíveis, Criminais e no Juizado Especial de algumas cidades.

Portanto, pelas razões anteriormente apontadas, reputa-se como válida a implantação gradual.

A adesão das partes ao sistema eletrônico de processamento é de caráter obrigatório ou facultativo?
Em caráter generalista, a Lei não traz em seu bojo nenhuma imposição compulsória de caráter procedimental: a adesão ao processamento judicial eletrônico decorre exclusivamente de ato unilateral do interessado, resultante da manifestação de sua vontade em se credenciar ao sistema digital.

Na prática, porém, disponibilizando o órgão judiciário unicamente a tramitação por meio eletrônico – como passa a ocorrer a partir de janeiro na Justiça Federal do Rio de Janeiro e nos Tribunais Superiores, constata-se a impossibilidade do usuário optar pelo trâmite em papel. Dessa forma, constata-se que o caráter voluntário de adesão ao sistema se transmuta em compulsório

A adesão do usuário externo ao sistema de processamento eletrônico ocorre pelo credenciamento do interessado junto ao Poder Judiciário (art. 2º), mediante procedimento que assegure a adequada identificação pessoal do interessado (§ 1º do art. 2º).

Reside a possibilidade de uma parte da relação processual não optar pelo sistema eletrônico?
Ausente a obrigatoriedade de adesão ao processamento eletrônico de ações judiciais, é perfeitamente cabível que uma parte, ou seu procurador, decida não aderir ao sistema informatizado.

Nessa hipótese, conviveriam simultaneamente o procedimento tradicional e o eletrônico.

O usuário que se cadastra no sistema eletrônico passa a receber todas as citações, intimações e notificações por esse meio (art. 9º), dispensada a publicação no Diário de Justiça, inclusive o eletrônico (art. 5º).

A publicação no Diário de Justiça Eletrônico substitui qualquer outro meio de publicação oficial, excetuados os casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal (§ 2º do art. 4º).

Aplicando-se a regra especial, tem-se que a parte não aderente ao processamento eletrônico, deverá tomar conhecimento da publicação dos atos judiciais através do Diário de Justiça impresso.

Opinamos que em vista da permissão legal de continuidade da publicação no Diário de Justiça impresso, poderá deixar de ocorrer sua integral substituição pelo formato eletrônico.

Considerando-se a hipótese de que apenas uma parte aceite aderir à tramitação processual eletrônica, o disposto na parte final do § 3º do art. 5º deixa de propiciar um tratamento isonômico?
Obs.: Abriga a possibilidade de extensão de 10 dias de prazo em relação ao procedimento estabelecido aos processos físicos

O usuário que tenha promovido seu credenciamento junto ao Poder Judiciário para a prática de atos processuais por meio eletrônico, poderá usufruir da extensão de prazo em relação ao usuário não aderente ao sistema informatizado.

Nesse caso, o prazo diferenciado resulta da disposição contida no § 3º do art. 5º, segundo a qual, caso o usuário deixe de consultar a intimação no prazo de dez dias corridos da data de seu envio, essa será considerada realizada no término desse prazo.

Sendo assim, reputa-se não atendido o tratamento isonômico das partes integrantes do contraditório.

A implantação do Diário de Justiça Eletrônico deve ser imediata ou convém se estabelecer prazo de convivência simultânea com a versão impressa?
A norma faculta a criação do Diário de Justiça Eletrônico pelos Tribunais, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, prevendo a substituição de qualquer outro meio de publicação oficial, para quaisquer efeitos legais (art. 4º e § 2º). Dispõe, ainda, que o ato administrativo de criação do Diário de Justiça Eletrônico deverá ser acompanhado de ampla divulgação (art. 4º, § 5º).

Apesar do critério facultativo, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça promoveram a substituição definitiva da versão impressa do Diário de Justiça pelo Diário de Justiça Eletrônico, classificando este como instrumento de comunicação oficial, publicação e divulgação de seus atos judiciais.

A estrada da informatização do procedimento judicial tende a ser pavimentada utilizando-se prioritariamente os meios eletrônicos. Portanto, salvo as exceções legais, o Diário de Justiça Eletrônico se transforma no instrumento oficial de publicação de atos judiciais.

Deve ser adotado um cadastro em nível nacional ou convém se adotar um cadastro segmentado por instâncias?
Os órgãos do Poder Judiciário encontram-se legalmente autorizados a formar um cadastro único para credenciamento de usuários do sistema por ele disponibilizado (art. 2º, § 3).

Opinamos no sentido de que não se apresenta como a solução mais acertada a criação de um cadastro único em nível nacional, em razão do compartilhamento da organização judicial brasileira.

Deve ser eleito um modelo segmentado para cada jurisdição da Justiça Estadual, Federal, Eleitoral, Trabalhista e Militar de forma a propiciar ao usuário o comparecimento pessoal apenas no órgão judiciário onde atua.

O credenciamento de usuários externos ao sistema deve ser realizado exclusivamente pelo Poder Judiciário?
A lei estabelece a obrigatoriedade do credenciamento prévio junto ao Poder Judiciário para a prática de atos processuais por meio eletrônico (art. 2º).

O credenciamento se presta a garantir a identificação do usuário externo de seu sistema, exigindo-se o comparecimento pessoal do interessado, mediante procedimento que assegure sua identificação profissional (art. 2º, § 1º).

As normativas estabelecem que o credenciamento do usuário externo seja realizado pessoalmente perante a Seção de Atendimento, ou no órgão judicial de origem integrante do sistema, sendo necessário apresentar a cópia da identificação profissional para conferência com avia original, assinar termo de adesão e registrar sua senha pessoal no sistema.

Reside ainda a possibilidade de compartilhamento do cadastro nacional de inscritos da OAB, possibilitando a conferência da situação de regularidade do advogado.

Assinatura eletrônica e digital
A assinatura eletrônica se subdivide em duas formas de identificação do signatário: a digital, consubstanciada em certificado da ICP-Brasil e o cadastramento do usuário no Poder Judiciário (art. 1º, III, a e b).

A Lei 11.419 admite a prática de atos processuais eletrônicos mediante o uso de assinatura eletrônica (art. 2º), fazendo referência ainda nos arts. 8º, parágrafo único; art. 20, alteração do CPC: art. 164, parágrafo único, art. 202, § 3º, art. 566, parágrafo único

Quanto à utilização da assinatura digital remete aos arts. 4º, § 1º, CPC, art. 38, parágrafo único e art. 169, § 2º.

Apenas o credenciamento realizado pelo Poder Judiciário se presta à prática de atos processuais por meio eletrônico, sendo desnecessária a utilização de certificado digital vinculado a ICP-Brasil?
A prática do peticionamento eletrônico e de atos processuais por meio eletrônico sujeitam-se ao cumprimento de dois requisitos obrigatórios: o credenciamento do interessado junto ao Poder Judiciário e a utilização de assinatura digital através de autoridade credenciada na ICP-Brasil.

Para que o usuário passe a ter direito de acesso ao sistema é necessário que primeiro realize seu cadastramento junto ao órgão jurisdicional.

Somente após esse procedimento inicial, o usuário se encontra autorizado a praticar atos por meio eletrônico, desde que faça uso de certificado digital emitido por autoridade certificadora credenciada junto a ICP-Brasil.

Devem ser adotados requisitos mínimos e políticas comuns de segurança da informação, concedida a devida publicidade, através de Resolução do CNJ ou cada instância judiciária pode eleger sua própria Política de Segurança da Informação, no âmbito de sua respectiva competência?
A lei do processo judicial informatizado consagra a liberdade de sua regulamentação no âmbito da respectiva competência de cada órgão do Poder Judiciário (art. 18), mas prescreve a necessidade de proteção dos autos digitais por meio de sistema de segurança de acesso, que devem permanecer armazenados em meio que garanta a preservação e integridade dos dados (art. 12, § 1º).

Consideramos caber ao Conselho Nacional de Justiça a função de editar um disciplinamento de caráter geral, instituindo os requisitos mínimos para instalação da política de segurança da informação nos órgãos do Poder Judiciário.

No processo eletrônico a informação armazenada em meios digitais se transforma em ativo que necessita ser devidamente protegido. Somente a aplicação de elevados padrões de segurança, que conceda um compartilhamento seguro da rede de comunicação de dados, proporcionará a indispensável segurança jurídica do processamento digital.

Nesse sentido, é imprescindível a implantação de um sistema de gestão da segurança da informação – elegendo-se a aplicação de padrão internacionalmente aceito para administração da segurança da informação – com a finalidade de se estabelecer uma consistente política de segurança, de controle e de gerenciamento de riscos.

Deve o CNJ protagonizar a edição de diretrizes comuns e gerais a serem seguidas pelo Poder Judiciário como um todo?
O Conselho Nacional de Justiça detém competência para definir a política judiciária e eleger seu planejamento estratégico, com poderes para disciplinar as atividades administrativas e orçamentárias de seus órgãos, através de atos normativos e recomendações pertinentes à atividade jurisdicional.

Nesse sentido opinamos pela necessidade do órgão editar as diretrizes básicas a serem seguidas pelo Poder Judiciário como um todo, em relação ao trâmite judicial eletrônico.

Proposições
O CNJ assume responsabilidade individual na implantação e na gestão nacional do processo judicial digital.

Tendo em vista que o chamado processo eletrônico representa o rompimento do paradigma do processo judicial em papel, entendemos ser indispensável buscar-se interlocução com o Poder Judiciário, a fim de viabilizar a participação de todos os atores diretamente envolvidos, durante o processo de tomada de decisões estratégicas

Trabalho desenvolvido para a Comissão de Estudos do Processo Eletrônico do Instituto dos Advogados de Minas Gerais
2007

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