Efeito Dominó na Tributação dos Provedores de Acesso

dezembro 16, 2009 by  
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Em recente decisão, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, entendeu que os provedores de acesso à Internet devem recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, sob o argumento de que ao oferecer endereço na Internet para seus usuários ou, até mesmo, disponibilizar sites para o acesso, prestam serviço de comunicação.

Entre outros fundamentos, acrescenta que “sendo a relação entre o prestador de serviço (provedor) e o usuário de natureza negocial, visando possibilitar a comunicação desejada, é suficiente para constituir fato gerador de ICMS”.

Somente os provedores gratuitos ficam isentos do pagamento, devido a não onerosidade da prestação do serviço “uma vez que a comunicação objeto da tributação é aquela que acarreta ônus ao usuário, onde o terceiro paga para poder emitir, transmitir e receber mensagens”.

Ressalte-se que a decisão afirma não se tratar de um serviço de valor adicionado, desprezando expresso dispositivo da Lei Geral de Telecomunicações de que o serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicação, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicação.

Desde logo já fizeram surgir as primeiras conseqüências do entendimento firmado pelo STJ, que pode repercutir negativamente no mercado privado da prestação do provimento de acesso à Internet.

Desde o ano de 1998, o Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz -, através do Convênio nº 69, firmou entendimento pela incidência do ICMS na prestação de serviço de comunicação, sendo praticada a alíquota de 25% sobre o valor da prestação do serviço.

A partir de então e escudados pelo Convênio, passaram os Estados a iniciar a cobrança do tributo, fato que obrigou as empresas a buscar solução junto ao Poder Judiciário.

Ocorre que os Tribunais Estaduais não se posicionaram pacificamente sobre a matéria, coexistindo decisões que ora isentam a incidência do ICMS, ora do ISS e que fundamentadas sob os mais variados argumentos, gerou incerteza ainda maior.

Residindo dúvida sobre o imposto incidente sobre a atividade, as empresas se deparavam com a seguinte situação fática: provedores que nada recolhiam, outros que depositavam o valor em Juízo, e outros tantos que recolhiam o ICMS ou o ISS.

Ato contínuo à decisão do STJ, o entusiasmado Confaz cuidou rapidamente de firmar o Convênio nº 78 (julho de 2001), autorizando os Estados e o Distrito Federal “a conceder redução de base de cálculo do ICMS, de forma que a carga tributária seja equivalente ao percentual de 5% do valor da prestação do serviço de comunicação, na modalidade de acesso à internet”. Não existe, porém, a menor segurança de que esta alíquota não será reajustada de acordo com o interesse do entre tributante.

Imediatamente os Estados providenciaram a ratificação do Convênio, iniciando a fiscalização da arrecadação do ICMS.

Ocorre que com a redução da base de cálculo, os Estados igualaram o ICMS ao percentual do ISS cobrado pelos Municípios, que, aliás, já competiam entre si praticando alíquotas diferenciadas ou concedendo isenções fiscais.

A disputa pela fatia de competência de arrecadação, conhecida como guerra fiscal, era anteriormente praticada entre os mesmos pares. Neste agora, adquire novos contornos passando a integrar as fileiras do exército da arrecadação, a figura dos Municípios.

Com isto, foi instituída a bi-tributação sobre a atividade desenvolvida pelos provedores de acesso, apesar da legislação tributária vedar a simultaneidade de tributação sobre uma única atividade.

O efeito dominó da pluralidade de competência para tributar, pode vir a inviabilizar a prestação do serviço que já compete em desigualdade de condições com os provedores gratuitos.

Situam-se os provedores de acesso no meio de tiroteio em terra de cego, sendo avidamente disputados pelo apetite voraz de arrecadadores e à mercê de vento multidirecional soprado pelo Judiciário.

Apesar da sociedade de informação estar inserida nos moldes da Nova Economia, naturalmente desregulamentada, a ausência de um ordenamento jurídico pacificador que não dê margem a dúvidas e impeça a invenção de impostos, sujeita à prestação de uma atividade privada a decisões emanadas pelo Poder Judiciário, às vezes equivocadas ou precipitadas.

Jornal Gazeta Mercantil
2001

Provedores de Acesso. ICMS versus ISS

dezembro 16, 2009 by  
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1. Introdução
A Internet pode ser considerada a maior revolução da comunicação na história da humanidade. O desenvolvimento de seu uso, porém, trouxe inúmeras novas questões inseridas em ambiente absolutamente inédito, sem precedentes e leis específicas.

Muito se combate as tentativas de regulação da Internet, alegando seus opositores que a web corre o risco de perder suas características essenciais: agilidade, independência e liberdade de expressão.

Não é possível, porém, entender a grande rede como um ambiente anárquico e livre para a prática de atos delituosos, cuja arquitetura pode impossibilitar a localização de um usuário mal intencionado.

É certo que nenhuma legislação conseguirá acompanhar o desenvolvimento tecnológico. E isto porque sempre surgirão novas tecnologias não previstas pelas normas. Por esse motivo, não é conveniente adotar uma legislação detalhada e específica, sob pena de se tornar obsoleta rapidamente.

Veja-se como exemplo do acima exposto, a simplicidade com que o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, define que o comércio eletrônico será desenvolvido “mediante utilização de ferramentas técnicas eletrônicas”. A abrangência da expressão permite acolher qualquer inovação da tecnologia.

Em nosso País, constata-se a dificuldade do Poder Judiciário em acreditar e adotar os meios eletrônicos, aliando-se a tal fato, o despreparo tecnológico da Justiça Brasileira.

Apesar de inexistir ordenamento regulamentador, verifica-se que a grande maioria das operações realizadas na Internet se enquadra perfeitamente na tributação clássica aplicada ao comércio off-line.

Somente em algumas questões, como a dos Provedores de Acesso, encontramos problemas de difícil solução, levando-se em conta o conjunto legislativo em vigor.

É necessário na verdade, um ajustamento de linguagem, posto que as normas atuais não prevêem todas as hipóteses criadas pelo novo instrumento.

Antes, porém, é fundamental a realização de um estudo profundo, a fim de que potencias problemas sejam identificados antes da regulamentação, sob pena de se legislar sobre o que não se conhece e sem incorrer no risco de acorrentar o avanço tecnológico por excesso de regulamentação. O grande desafio do Direito consiste na adaptação da legislação existente à nova realidade.

Levando-se em consideração que a característica mais revolucionária da Internet é desconhecer fronteiras geográficas, a tendência mundial sinaliza na adoção de normas internacionais. A incorporação ao ordenamento jurídico interno de Tratados e Convenções Internacionais , garantirá o estabelecimento de relações econômicas aceitáveis em âmbito mundial.

2. Características das Atividades dos Provedores
A chamada Nova Economia, desenvolvida através da Internet e recheada de enormes investimentos alocados ao mundo virtual, vem despertando grande interesse governamental na tributação das várias atividades ali desenvolvidas.

Porém esse promissor mercado de arrecadação, em sua grande maioria ainda não encontra disposição legal de enquadramento tributário, posto que os aspectos jurídicos relativos à Grande Rede vieram deletar conceitos clássicos do Direito Tributário, especialmente ao que se refere ao fato gerador, definição do objeto, momento de incidência, bens corpóreos e incorpóreos.

Os provedores de Internet sofrem os efeitos da voracidade fiscal de Estados e Municípios, que duelam entre si a competência para tributar. É necessário, porém, distinguir e analisar a natureza do serviço prestado, para que se determine o campo da incidência tributária.

A empresa de telefonia, que depende de concessão governamental para atuar, é quem realiza a conexão telefônica. O serviço de comunicação se opera por quem faz a comunicação. O provedor de acesso à Internet, mero instrumento, não fornece os meios e condições necessárias para que a comunicação ocorra.

Constata-se inicialmente que o provedor de acesso não depende de nenhum tipo de autorização ou concessão para operar, atuando no mercado por iniciativa privada.

Por outro lado, tampouco é necessário ou indispensável à realização da transmissão de sinal de telecomunicação, sendo, portanto, um usuário do serviço de telecomunicação, uma vez que se utiliza do sistema de transporte já existente.

Verifica-se que na relação jurídica entre a concessionária de telecomunicações e o usuário, este último é considerado o consumidor final, aquele quem arca com o pagamento do ICMS, cobrado mensalmente em sua conta telefônica.

Como o serviço de comunicação é único e já se encontra tributado, em se admitindo nova tributação na relação jurídica entre o usuário e o provedor de acesso, estaríamos diante da incidência da bi-tributação, que é totalmente vedada por nosso ordenamento jurídico.

Porém, ainda é controvertida a interpretação de que as atividades desenvolvidas pelos provedores não se caracterizam como serviço de telecomunicação.

3. Direito Tributário – Limites
Antes de analisar a legislação aplicável, ressalte-se que o Direito Tributário se vincula aos conceitos criados e disciplinados em outros ramos do Direito, não sendo possível interpretar a legislação fiscal, sem o cotejo do restante do ordenamento jurídico.

O próprio Código Tributário Nacional, em o art. 110, dispõe que a lei tributária não pode alterar a definição, conteúdo, alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, pois estará adentrando área de competência de Lei Complementar.

A Constituição Federal prescreve que cabe à União, por Lei Complementar, definir os fatos geradores de impostos Estaduais e Municipais (art. 146, III, a e b), prevendo, por outro lado, que novas situações, quando não compreendidas nas hipóteses legais de incidência de impostos – por falta de previsão legal -, não são passíveis de tributação ( art. 150, I ). Aplica-se à espécie o princípio da legalidade tributária, onde se infere a inconstitucionalidade da cobrança pela ausência de previsão normativa.

Dessa forma, determinada atividade somente poderá se sujeitar à tributação, se estiver positivamente abrangida pela previsão constitucional.

4. Análise Legislativa
4.1. Constituição Federal

A Emenda Constitucional nº 8/95, ao alterar o inciso XI do art. 21 da Constituição Federal, dispôs sobre a competência exclusiva de atribuições da União para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações.

Cabe também a União a competência privativa para legislar sobre telecomunicações (CF, art. 22, inc. IV).

Ao dispor sobre a competência tributária estadual ( art. 155, II ), outorga aos Estados o direito de instituir impostos sobre a prestação de serviços de comunicação.

Portanto, os Estados podem somente tributar os serviços que a União definir como sendo serviços de telecomunicações.

4.2. Lei Complementar 87/96 – ICMS
A LC nº 87 é uma lei de norma geral para o ICMS. Dispõe sobre a competência dos Estados e do Distrito Federal, para instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação.

Vale aqui ressaltar que a regra matriz do ICMS reside em prestar um serviço de comunicação e não, simplesmente, realizar a comunicação, atividade que é desenvolvida pelo provedor de acesso.

Verifica-se pela leitura do art. 2º, que o imposto incide sobre prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza.

Portanto, o ICMS não recai sobre toda e qualquer comunicação. Para que haja a incidência do imposto é indispensável que a atividade se caracterize como uma prestação de serviço de comunicação e que tenha caráter oneroso.

Como visto, porém, não tem a Lei Complementar competência para definir o que sejam serviços de comunicação.

4.3. Norma ANATEL 004/95
          Aprovada Portaria 148/95 – Min. Comunicações
A Agência Nacional de Telecomunicações, órgão integrante da Administração Pública Federal, criada aos moldes de uma autarquia especial, tem a função de atuar como órgão regulador das telecomunicações.

Através da Norma 004, veio regular o uso de meios da rede pública de telecomunicações para acesso à Internet, definindo o serviço de valor adicionado como o serviço que acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de telecomunicações, meios ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas ao acesso, armazenamento, movimentação e recuperação de informações.

Por outro lado, define o Serviço de Conexão à Internet (SCI), como o nome genérico que designa o Serviço de Valor Adicionado, possibilitando o acesso à Internet a usuários e provedores de serviços de informações.

Estabelece, também, que a utilização dos Serviços de Conexão à Internet, “far-se-á por intermédio dos Serviços de Telecomunicações prestados pelas Entidades Exploradoras de Serviços Públicos de Telecomunicações”.

Verifica-se, destarte, que a atividade dos Provedores foi considerada uma prestação de Serviço de Valor Adicionado.

4.4. Lei Geral de Telecomunicações – LGT nº 9.472/97
A Lei Geral de Telecomunicações, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, prevê a competência da União, por intermédio do órgão regulador, para organizar a exploração dos serviços de telecomunicações.

Em seu art. 60, define que o serviço de telecomunicação é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação, acrescentando, no § 1º, o conceito de telecomunicação.

Regulamentando o já disposto na Norma 004/Anatel, a LGT conceitua o “serviço de valor adicionado” como a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações, que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações (art. 61).

Inova, porém, ao declarar expressamente, que o serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações (§ 1º do art. 61).

Vê-se, portanto, que a LGT distinguiu o serviço de telecomunicação do serviço de valor adicionado, colocando os serviços prestados pelos Provedores fora de qualquer tributação, ao afirmar textualmente que estes não se constituem serviços de telecomunicação.

4.5. CONFAZ – Convênio ICMS 69/98
O Conselho de Administração Fazendária, composto pelos Secretários de Fazenda dos Estados, através do Convênio 69/98, firmou entendimento em relação à incidência do ICMS nas prestações de serviço de comunicação.

Este Convênio atuou como uma espécie de autorização legal para que os Estados iniciassem a cobrança do tributo.

Deve-se acentuar, porém, que o CONFAZ não detém competência para interpretar ou definir o que sejam serviços de comunicação. Conforme a análise legislativa realizada, compete exclusivamente à União, a competência para legislar sobre telecomunicações.

4.6. ISS – Lei Complementar 56/87
A Constituição Federal concedeu aos Municípios o direito de instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, desde que não compreendidos no art. 155, II (incidência de ICMS), acrescentando que estes serviços deverão ser definidos por Lei Complementar.

O Imposto sobre Serviços tem como fato gerador à prestação dos serviços constantes na Lista de Serviços. Ressalte-se que a referida Lista é taxativa, não cabendo aos Municípios adicionar novos serviços, mas, tão somente, tributar os serviços expressamente citados.

A Lei Complementar 56/87, que veio dar nova redação à Lista de Serviços anexa ao Decreto Lei 406/68, não contempla a prestação de serviço de valor adicionado.

Desta forma, uma vez que a prestação do serviço de valor adicionado não foi inserida na Lista, está excluída a hipótese de incidência do imposto.

5. Conclusão
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal interpretou que a Lei Complementar não pode acrescentar qualquer extensão, além do previsto implicitamente no texto da Constituição Federal. Pois, em caso contrário, a cada alteração de lei complementar ou ordinária, seria a Constituição que se subordinaria a estas.

Pretendem os Estados se utilizar da largueza da expressão “por qualquer meio” (inserida na Lei Complementar nº 87 e no acordo firmado em Convênio de Secretários de Estados – que têm justo interesse em alargar o campo de incidência tributária ), fazer vingar a tese de que cabe a cobrança de ICMS na prestação do serviço de valor adicionado.

Deve-se ter em vista primordialmente que é a União quem detém a competência privativa para legislar sobre telecomunicações, cabendo aos Estados apenas a instituição de impostos sobre os serviços que a União definir como de telecomunicações.

Quando a Lei Geral de Telecomunicações distinguiu o serviço de telecomunicação do serviço de valor adicionado, declarando expressamente que este não se constitui serviço de telecomunicação, o colocou fora do campo de incidência de qualquer tributação.

Pela análise exposta, tanto a Lei Federal como a Agência Reguladora, consideraram que a prestação do serviço de valor adicionado não se enquadra nas hipóteses de incidência do ICMS.

Diante também da impossibilidade da cobrança do ISS, por falta de previsão expressa na Lista de Serviços, tem-se como incabível a pretensão da cobrança do ISS.

Por tais razões, os serviços prestados como de valor adicionado, se encontram em campo neutro de incidência, não se sujeitando, portanto, à cobrança do ICMS e do ISS.

Tributário.net
2006