MP não acessa intimação eletrônica e réu é solto

novembro 13, 2011 by  
Filed under Processo eletrônico

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. Matéria do CONJUR

Rigor do processo eletrônico não pode prejudicar o réu
Por Rogério Barbosa

Nenhum ser humano será suplantado em seus direitos, garantias e interesses pelas regras do processo eletrônico. Com este entendimento, o juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas (TO), revogou a prisão preventiva de um réu mesmo considerando-o perigoso.

O artigo 5º da Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/2006) dá prazo de 10 dias corridos para que a parte consulte a intimação, “sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo”.

Como se passaram 12 dias da intimação online e o Ministério Público não apresentou a denúncia, o juiz determinou a expedição do alvará de soltura. O processo eletrônico (e-proc) refere-se ao caso de homem preso em flagrante por furto qualificado, previsto no artigo 155, parágrafo 4º, do Código Penal. Sua prisão foi convertida em prisão preventiva e após a conclusão do inquérito policial, os autos remetidos ao MP.

O juiz Rafael de Paula reforça que as normas e o funcionamento do e-proc não podem prejudicar os direitos das pessoas. Em sua decisão chegou a citar o escritor Isaac Asimov, que em seu livro de ficção Eu, Robô, elaborou três leis da robótica: um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal; um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a primeira lei; um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira ou a segunda lei.

“Na edição da Lei 11.419/2006, talvez se tenha esquecido de prever uma disposição primária, que me atreveria chamar da Lei Fundamental do Processo Eletrônico: Nenhum ser humano será suplantado em seus direitos, garantias e interesses pelas regras do processo eletrônico”, concluiu o juiz.

Ao decidir pela soltura do acusado juiz ressaltou que o fundamento da prisão persistia, “pois a libertação do autuado coloca em risco a ordem pública, diante da reiteração criminosa demonstrada naquela decisão. No entanto, observo que já se passaram 12 dias desde a conclusão do inquérito policial, sem que o MP tenha oferecido a denúncia contra o autuado”.

LEIA A DECISÃO

ESTADO DO TOCANTINS
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE PALMAS
3ª VARA CRIMINAL
e-PROC Nº 5002975-58.2011.827.2729

DECISÃO
Cuida-se de auto de prisão em flagrante de Leandro Pereira de Araújo, detido em 15 de outubro de 2011 por suposta infração ao art. 155, § 4º, incisos I e II, do Código Penal, cuja prisão foi convertida em preventiva (evento 7). No dia 25/10, a autoridade policial anexou seu relatório final ao e-Proc (evento 17), ocorrendo então a remessa externa do processo ao Ministério Público, tanto no dia 26/10 quanto no dia 04/11 (eventos 18 e 20).

A priori, o fundamento da prisão persiste, pois a libertação do autuado coloca em risco a ordem pública, diante da reiteração criminosa demonstrada naquela decisão. No entanto, observo que já se passaram 12 dias desde a conclusão do inquérito policial, sem que o
Ministério Público tenha oferecido a denúncia contra o autuado.

Diante disso, evidencia-se o constrangimento ilegal infligido ao autuado, decorrente da ultrapassagem do prazo previsto no art. 46 do Código de Processo Penal. A despeito do entendimento segundo o qual os prazos devem ser contados englobadamente, entendo que essa orientação não desobriga o Ministério Público de observar o tempo que lhe é concedido para sua atuação. Nestes casos, em que se verifica excesso além do razoável, sem qualquer justificativa para a inação, devem-se garantir os direitos do indivíduo
cuja liberdade está sendo indevidamente tolhida.

A propósito de o processo estar tramitando em meio eletrônico, não me furto ao conhecimento de que se considera realizada a intimação “no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização”, nos termos do que dispõe o art. 5º, § 1º, da Lei nº 11.419/2006. Outrossim, não estou alheio à regra prevista no § 3º do mesmo dispositivo, segundo a qual “a consulta referida nos §§ 1o e 2o deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo”.

Tal significa dizer que o prazo para o oferecimento da denúncia começaria a ser contado a partir do 10º dia seguinte à remessa do e-Proc ao Ministério Público.

E aí indago: o que o autuado tem a ver com isso?

As vantagens trazidas à humanidade pela eletrônica e informática são por todos conhecidas1. Hoje, é praticamente impossível viver sem os recursos da tecnologia. Poucos de nós conseguiriam “sobreviver” sem um celular — agora superado pelos smartphones, tablets, que logo também se tornarão obsoletos — e outros gadgets (geringonças, em bom português).

No entanto, a despeito dos inúmeros benefícios que a modernidade nos vem apresentando, não podemos nos esquecer que ainda somos pessoas, que ainda não fomos substituídos por computadores e robôs para o cumprimento de atividades intrinsecamente humanas, como, por exemplo, o julgamento de nossos semelhantes — e nesse diapasão insiro a “simples” análise do direito do sujeito à liberdade, mesmo que em caráter precário.

Tamanha é a inquietação que o tema desperta que, antes mesmo de se verificarem situações concretas como a que ora se defronta, os escritores, cineastas e outros artistas já antecipavam os riscos da automação. Não é preciso esforço para lembrar alguns exemplos, como os filmes Metropolis (de 1927), Tempos Modernos (de 1936), 2001: Uma Odisséia no Espaço (de 1968).

O escritor Isaac Asimov avançou ao elaborar as Três Leis da Robótica, em seu livro de ficção I, Robot (Eu, Robô), de 1950, já com a preocupação de se criarem regras para dirigir o comportamento dessas máquinas.

São elas:
“1ª lei: um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2ª lei: um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.
3ª lei: um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei”.

Na edição da Lei nº 11.419, talvez se tenha esquecido de prever uma disposição primária, que me atreveria chamar da Lei Fundamental do Processo Eletrônico: “Nenhum ser humano será suplantado em seus direitos, garantias e interesses pelas regras do processo eletrônico”.

Diante desse entendimento, penso que a regra prevista no § 3º do art. 5º da Lei nº 11.419/2006 deve ser interpretada em favor do autuado e, por conseguinte, revogo a decisão lançada no evento 7 e relaxo a prisão de Leandro Pereira de Araújo.

Deixo de aplicar outra medida cautelar, por não acreditar na eficácia de sua fiscalização.

Expeça-se o alvará de soltura, donde constará a advertência ao autuado para comparecer a todos os atos do inquérito policial e do processo, bem assim a comunicar em juízo de suas eventuais mudanças de residência.

Intimem-se os representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Se não houver recurso, este e-Proc deverá ser baixado.

Palmas/TO, 07 de novembro de 2011.
Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito

Publicada pelo CONJUR